Filhos que matam pais. Netos que assassinam avós. Tios que tiram a
vida de sobrinhos. Pais que matam filhos. Realmente, soam atuais as
palavras do mais famoso príncipe da Dinamarca quando se referiu ao
estado das coisas em seu reino. São tragédias que muito se assemelham
àquelas da ficção, as quais penso ter, por pano de fundo, salvo casos
patológicos, o problema da desagregação familiar que parece ter se
hospedado nos lares, despejado os valores da fraternidade e da
alteridade, tomado o coração dos homens e proporcionado, sem prejuízo
de outras causas, o incremento nos índices de violência.
Certa feita, Sêneca disse, a respeito dos gladiadores romanos,
que eles eram entregues às feras logo de manhã e, no meio do dia, eram
jogados ao público. Pois bem, hoje, em termos de exposição à violência
das ruas, a regra, infelizmente, é essa: pela manhã, são os pais (que
se dirigem ao local de trabalho); ao meio-dia, são seus filhos (que vão
ou retornam da escola).
Penso que vários são os fatores desencadeadores da violência
que nos cerca. O materialismo exacerbado que leva a pessoa a fazer tudo
para satisfazer seus desejos, ainda que tenha que exterminar seu
semelhante por causa de uma ninharia. A omissão da sociedade civil, que
cobra do Estado uma relação paternalista, vinculação esta já sepultada
pela História. A dificuldade do Poder Executivo em implementar ações
sociais afirmativas, sem se esquecer das repressivas, que fazem a linha
de frente contra os delinqüentes, tais como o policiamento comunitário e
a efetivação da ótima Lei de Execução Penal.
Ainda saliento a postura do Poder Legislativo na criação de
leis penais lenientes, que vão na contramão da onda de violência que
afoga os cidadãos, que fazem lembrar a feliz constatação de Roberto
Campos, de que o problema brasileiro não é de inflação legislativa, mas
de diarréia normativa. A morosidade do Poder Judiciário é patente,
sobretudo no julgamento dos processos criminais, transmitindo a
sensação de impunidade para o cidadão, o que é provocado pelo enorme
número de feitos sob a responsabilidade dos juízes e por leis penais e
processuais penais anacrônicas. Enfim, alguns setores minoritários da
imprensa falada e escrita também procuram chamar a atenção dos leitores
com manchetes sensacionalistas que envolvam o tema em foco.
As soluções possíveis têm sido apontadas diariamente pela
mídia com maiores ou menores variações e, no geral, consistem na tomada
de atitudes que evitem as críticas aqui feitas e repetidas aos quatro
ventos. Todavia, noto que, dentre as respeitáveis sugestões, não
recebem a devida atenção aquelas reforçam o vínculo familiar sob
qualquer ângulo, como, por exemplo, por intermédio de medidas
legislativas ou ações afirmativas.
A família é a célula básica de uma sociedade. O vigor de todo o
tecido social está umbilicalmente ligado a cada uma dessas células. Os
problemas sociais, inclusive o da violência, são causados por pessoas,
as quais nasceram em uma família e nela se amadureceram ou se
envileceram; aprenderam a noção de amor ou de ódio ao semelhante;
souberam viver a fraternidade ou conviveram sob a “Lei de Gérson”;
foram preparadas para enfrentar as dificuldades da vida ou sofrem ante o
menor contratempo; enfim, a família é a fonte emergente dos valores do
homem e se ela adoece, a sociedade sucumbe. Vale a pena nela investir.
Por fim, enquanto houver homens, haverá desventuras, dada a
falibilidade de nossa natureza. Não sejamos utópicos. Mas tal fato não
nos isenta de empenhar todo o esforço possível para combater todo tipo
de violência, certos de que, nesta árdua jornada, a esperança nos
protegerá do desânimo, fornecerá alento diante de qualquer
esmorecimento e dilatará nosso coração na perseverança.
Assim, tragédias gregas, tais como a de Faetonte, que caiu do
carro do sol, após ter sido alvejado por um raio lançado por Júpiter,
depois de ter consultado o pai daquele jovem, não mais ultrapassarão os
limites dos livros de mitologia e nem ganharão versões contemporâneas.
André Gonçalves Fernandes - Juiz de
Direito da 2ª Vara Cível e de Família da Comarca de Sumaré/SP. Bacharel e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco em 1996 e 1999. Atua como magistrado desde 1997.
Articulista do Correio Popular de Campinas e da Escola Paulista da
Magistratura desde 2002.
http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo597.shtml